O Ministério da Saúde patrocinou na última década diversas campanhas de orientação: contra as drogas, o consumo de álcool e de prevenção ao vírus da Aids. Essas propagandas de conscientização, em geral voltadas ao jovem, público mais sujeito a vícios e doenças, são vitais como instrumento de alerta à sociedade. Uma pesquisa recente preparada pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro sugere que talvez se deva adicionar um novo tema à lista de campanhas do governo: o tabagismo na adolescência. O levantamento, feito em um grupo de 800 fumantes em quatro capitais, mostra que os brasileiros começam a fumar cedo: aos 13 anos, em média. A pesquisa ganha contornos mais graves quando examinada em conjunto com outros trabalhos científicos. Quem começa a fumar na adolescência terá mais dificuldade de largar o cigarro no futuro do que aquele que o fez pela primeira vez depois de adulto. E mais: quando larga o cigarro, o fumante que usa o tabaco desde a juventude demora mais tempo para se recuperar dos efeitos da nicotina do que aquele que se viciou na fase adulta – ainda que o segundo tenha fumado durante mais tempo que o primeiro.
A maior parte dos não fumantes já ouviu de um avô ou tio comentário a respeito da idade que tinham ao fumar pela primeira vez. Eram em geral muito jovens. Os fumantes nem precisam recorrer aos parentes. Recordam-se da própria experiência, ocorrida quase sempre nessa fase da vida, por volta dos 13 ou 14 anos. O trabalho da Santa Casa do Rio é especial por ser o primeiro a levantar o ano da iniciação no mundo da fumaça no Brasil. De acordo com o critério adotado na pesquisa, fumar não significa dar uma tragada no cigarro do amigo. Fumar é consumir cigarros regularmente. Segundo os especialistas, depois de seis meses fumando todo dia, o adolescente está quimicamente dependente do cigarro. Os pesquisadores da Santa Casa esperam agora conscientizar entidades não governamentais e principalmente Brasília da necessidade de contra-atacar. "Sabendo quantos anos tem o novo fumante, o governo pode elaborar campanhas de prevenção apropriadas a essa faixa de idade", diz a coordenadora da pesquisa da Santa Casa do Rio, a psiquiatra Analice Gigliotti.
Para a ciência, o adolescente que fuma meio maço de cigarros por dia e o adulto que traga igual quantidade não formam o mesmo grupo de viciados. A Organização Mundial de Saúde, OMS, possui alguns estudos que apresentam com clareza o impacto do cigarro sobre jovens. De acordo com essas pesquisas, 99% dos adolescentes que dão as primeiras tragadas se tornam fumantes. O número fica ainda mais espantoso se comparado com dois outros vícios. Entre os jovens que fumam maconha, a metade acaba se viciando. Com álcool, a dependência é ainda menor: 12% dos que bebem na adolescência passam a ser alcoólatras.
Um dos trabalhos mais impressionantes comparando o vício entre jovens e adultos foi preparado sob encomenda da OMS. Ele mostra que um adolescente demora até sete anos para se livrar dos efeitos da nicotina. "Já uma pessoa que começa a fumar aos 30 anos consegue 'limpar' seu cérebro da nicotina em seis meses de abstinência", afirma o psiquiatra Jorge Alberto Costa e Silva, diretor do Centro Internacional de Política de Saúde da OMS. As razões dessa diferença estão sendo investigadas. Começar a fumar é fácil. Difícil é parar. De cada grupo de dez fumantes, seis tentaram parar, segundo a pesquisa da Santa Casa. A média de tentativas é de três a quatro na vida, mas os resultados são desencorajadores. As estatísticas mundiais afirmam que apenas 3% dos fumantes conseguem abandonar o cigarro de vez.
Curiosidade e ritual
O fumo na adolescência é uma preocupação mundial, não um problema brasileiro. A diferença é o tratamento que os diversos países dão ao assunto. Alguns deles patrocinam ações firmes de combate ao tabagismo entre os jovens. Nos Estados Unidos, o governo mantém uma campanha cujos termos lembram as propagandas antidroga. Intitulada "Aprenda a dizer não" e dirigida aos estudantes, conseguiu em apenas dois anos reduzir o índice de experimentação de cigarro de 64% para 55% entre jovens. É um número muito expressivo. No Canadá, onde 29% dos adolescentes são fumantes, o governo propôs uma mudança radical nos tradicionais avisos que são impressos nos maços. O governo canadense quer convencer as fábricas de cigarro a substituir os alertas pouco convincentes do tipo "Fumar faz mal à saúde" por fotografias horríveis com dizeres ainda mais horríveis. Dois modelos dos novos avisos podem ser vistos nesta página. Infelizmente o Brasil integra outro grupo de países: aqueles que não dão a devida atenção ao assunto. "Se aos 13 anos os brasileiros já fumam regularmente, é claro que não adianta somente escrever aquele alertazinho no maço de cigarros", afirma Analice Gigliotti, da Santa Casa. "É preciso fazer pesquisas mais aprofundadas sobre o tabagismo entre os jovens." O Ministério da Saúde informa que vai encomendar uma pesquisa ampla sobre cigarro para então decidir o que fazer. A pesquisa ainda está sem data.
O número de jovens que experimentam o cigarro vem crescendo a olhos vistos. De acordo com um trabalho realizado de 1993 a 1997 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, da Universidade Federal de São Paulo, o porcentual de adolescentes de 13 a 15 anos que já havia fumado algum cigarro na vida subiu de 24% para 32%. Um toxicologista da Universidade Estadual Paulista, Igor Vassilieff, distribuiu um questionário entre adolescentes para listar as razões que levam o jovem ao vício de fumar. As respostas encontradas nos questionários mostram que o cigarro está associado ao processo de formação da identidade desses jovens. "Alguns fumam por curiosidade, outros por acreditar que o tabaco não pode fazer tanto mal assim", diz Vassilieff. "Em qualquer um dos casos é um ritual de entrada na adolescência." Adolescentes fumantes dão as primeiras tragadas com amigos, passam a fumar à noite, durante festas, e em poucos meses estão comprando um maço na padaria ou no bar. No Brasil, uma em cada três pessoas com mais de 16 anos fuma mais de um cigarro por dia.
As conseqüências são dramáticas para o jovem em particular e para a saúde pública em geral. Estudo do Instituto Nacional do Câncer afirma que eram fumantes:
25% das vítimas fatais de doença coronariana e cerebrovascular;
85% dos mortos por doenças pulmonares, como a bronquite e o enfisema;
90% das pessoas que morreram por câncer no pulmão.
Em números, isso significa que o cigarro tem relação com cerca de 100.000 mortes por ano no Brasil. São onze mortes por hora, três vezes mais que os óbitos registrados no trânsito e mais que o dobro do número de assassinatos num ano. VEJA enviou dados da pesquisa da Santa Casa para que fossem comentados pelas companhias Souza Cruz e Philip Morris. As empresas não os desmentiram, mas as assessorias de imprensa informaram por fax que optariam pelo silêncio.
Fonte: veja.abril.com.br